14 março, 2014

Muito Além da Troika

MUITO ALÉM DA TROIKA

Houve quem ficasse chocado ou surpreendido por Passos Coelho ter declarado na semana passada no Parlamento que havia cortes nos salários e nas pensões que eram definitivos. Eu não fiquei. Era óbvio para mim, à medida que os cortes eram prolongados e agravados, que Passos Coelho nunca teve qualquer intenção de reverter os cortes, ou pelo menos a maioria deles.

Lembram-se de Passos Coelho dizer, nos idos de 2011, que iria muito além da Troika? Não era uma bravata, ou uma injecção de moral. Na verdade ele quis dizer o que disse. E fê-lo. Para Coelho, os seus mentores e os seus sequazes, a crise financeira do Estado português, o Memorando de Entendimento, a Troika foram uma bênção. Ele não pode dizê-lo, mas mostra-o com regularidade. Quando ele disse que a crise representava uma oportunidade, era a isto que se referia.

As finanças públicas são um objectivo, mas são, principalmente um meio, ou pretexto, para atingir outros objectivos. De forma resumida:

* Desvalorizar de forma brutal o factor trabalho e, consequentemente, as pessoas.
* Colocar as empresas e a banca, em vez das pessoas como referência da actividade governativa.

A substituição das pessoas pelas empresas, como o factor nuclear da política governativa, marca uma mudança de paradigma e está a encaminhar-nos rapidamente para um Portugal diferente. Os sinais são sintomáticos.

O IRS atinge níveis estratosféricos, os funcionários públicos são espremidos até ao tutano, as contribuições para os sistemas de saúde aumentam exponencialmente, os horários de trabalho aumentam, as férias e feriados diminuem e os despedimentos em breve serão tão fáceis como tirar um café ou uma imperial. Mesmo o discurso oficial, especialmente o de Coelho, manifesta indiferença pelo empobrecimento quase generalizado.

Do outro lado da balança, desce o IRC, crescem as facilidades para despedir, mantém-se os privilégios de empresas, bancos, seguradoras, escritórios de advogados e consultorias, nomeadamente nas áreas da energia, das rodovias e da água. As empresas estão à frente de tudo e de todos, excepto dos credores estrangeiros, é claro.

Quando Coelho terminar o trabalhinho muito além da Troika, o que será Portugal?

Será um país povoado de reformados e pensionistas indigentes, espoliados do retorno legítimo dos descontos de décadas.

Será um país de funcionários públicos empobrecidos e achincalhados, autênticos bombos de festa da crise, tratados como se fossem sanguessugas e parasitas a viver à custa do Estado.

Será um país com menos jovens e menos gente qualificada, expulsa por governantes que não os merecem.

Será um país com um mar de desempregados, muitos deles sem remissão.

Será um país com menos qualidade na educação e na saúde, logo um país com menos futuro.

Será, enfim, um país com menos futuro e com um futuro pior, coutada de alguns e purgatório da maioria. O Portugal muito além da Troika de Passos Coelho, será uma reminiscência do tempo da Revolução Industrial: capitalismo sem freio, alimentado por uma mão-de-obra barata, explorada, sacrificada e pobre.

2 comentários:

Sergio Lira disse...

NÃO!!! não, se nós não deixarmos. Como dizia Pacheco Pereira há dias, esse projecto não se faz em 4 anos (embora já tenham feito demais, ainda é reversível em muitos aspectos; embora haja já pessoas irremediavelmente sofridas, ainda há resgate possível da sua dignidade) esse projecto faz-se (como quer o PR) em 20 nos. Mas 20 anos são incompatíveis com a democracia - seriam precisos 10 anos de reorganização e 10 anos de engrandecimento (cito Salazar de memória, em 1936) só que o plano destes crápulas só inclui o "ajustezinho" não inclui engrandecimento (a não ser de alguns bolsos, de alguns canalhas); 20 anos implicam uma ditadura, e uma ditadura feroz.

Poderá ser tentada sob um forma encapotada (a ditadura da dívida, contra a qual se insurgem 70, ou 70.000....... ou a ditadura do desemprego, ou outras formas soezes de domínio das pessoas) mas pode também ser tentada sob a forma explícita de supressão da democracia: votações são luxos a que não nos podemos dar, não há dinheiro para isso.

Num caso, como no outro, há bons remédios: desde pegar nestes crápulas pelos fundilhos das calças e correr com eles em eleições democráticas, até corre-los a pontapé físico no traseiro, ou, se a esse extermo chegarmos e se a via democrática nos for sonegada, a tiro na testa, à foicinha nos cornos, à paulada. Uma coisa, para mim pelo menos, é certa - Portugal, a Nação portuguesa, não suportará 20 anos desta gentalha a sugar-lhe a Vida; a Nação é maior, mais longa e mais profunda que esta récua de escroques.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Deus te ouça Sérgio, mas não está fácil. O dano é muito e a revolta parece ir dando lugar à resignação. Eles usam e vão usar a dívida pública e as responsabilidades com o exterior como canga para submeter as gentes e contam com a maioria das ditas élites para vender esta pulhice como uma inevitabilidade. O quadro está negro...