22 julho, 2013

Os Irrevogáveis

OS IRREVOGÁVEIS

 
A Gália de Goscinny e Uderzo tinha os Irredutíveis Gauleses que se alimentavam a poção mágica e javali e cujos expoentes máximos eram Astérix e Obélix. Com eles, Roma nunca conseguiu dominar toda a Gália.


Portugal de 2013 tem os Irrevogáveis, que não têm poção mágica, não caçam javalis, nem parecem fazer nada de útil. Com eles, Berlim domina completamente a Lusitânia.


OS IRREVOGÁVEIS:


Cavaco Silva assumiu-se como um irrevogável anti-democrata. O inefável Presidente quer que os 3 maiores partidos atinjam consensos, voluntariamente ou por imposição. Reitero que, para Cavaco a assunção de projectos diferentes e de soluções alternativas é um anátema (ver os pontos 3 e 4 dos Contras em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/07/cavaco-silva-out-of-box.html). Para ele e para a legião de comentadores do establishment, os eleitores deviam escolher entre três partidos que apresentam o mesmo programa. Não tarda, defenderão um partido único. A irrevogável intolerância também se fez sentir nas Selvagens, de onde Cavaco disparou contra aqueles que se opunham a um acordo e que trabalhariam para o evitar, como se tal fosse uma ignomínia. Pois então ousavam contrariar o PR? Finalmente, teve o dislate de dizer que o facto de os partidos terem participado em negociações prova que concordam com a solução que propôs, quando na realidade todos entraram contrariados no processo negocial e só a ele aderiram porque foram praticamente obrigados. Cavaco Silva fez too little too late e agora fica irrevogavelmente amarrado a um Governo que amparou para além do razoável durante dois anos e no qual já não confia.


Passos Coelho é um irrevogável agarrado ao poder. O homem preside a um governo que falha metas e projecções a um ritmo e dimensão alucinantes, demonstra uma total indiferença para com os seus concidadãos, somada a um servilismo perante a Alemanha, é odiado e desprezado por milhões de Portugueses, é desrespeitado por dois sucessivos nº 2 do Governo, mas recusa demitir-se. Abespinha-se perante a possibilidade de lhe roubarem um ano de poder. E mantém a desfaçatez de garantir em pleno Parlamento que tudo corre bem. Coelho é, como político, como governante e como pessoa, uma nódoa. Daquelas que não saem. É irrevogável.


Paulo Portas é o pai da irrevogabilidade. A sua demissão “irrevogável” vai ficar nos anais como o “Nem que Cristo desça à Terra!” de Marcelo Rebelo de Sousa. Como já foi defendido no Tempos Interessantes, (ver http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/01/a-encruzilhadaalhada-do-cds.html e também http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/07/portas-da-passos-para-sair-passos-leva.html) Portas viu uma janela de oportunidade para saltar do Governo, ver-se livre da inépcia petulante de Coelho e começar a preparar 2015 correndo por fora. Na ânsia de sair, Portas sobrestimou o carneirismo do seu rebanho. Para além das pressões externas que terá recebido, foi na resistência à demissão no próprio CDS que a irrevogabilidade começou a ser revogada. O obstinado apego ao poder de Coelho e as manobras de Cavaco fizeram o resto. Além dos custos da governação desastrosa e da crise, Portas terá de lidar com o desgaste causado por este flip-flop. O poder acrescido que terá no Governo será a oportunidade de tentar recuperar imagem e credibilidade. Porém, da forma que as coisas estão, mesmo sendo o membro do Governo politicamente mais talentoso, o mais provável é que Portas se afunde com o Titanic. Irrevogavelmente.


António José Seguro é o anti-Irrevogáveis. É contra a irrevogabilidade do Governo, contra a irrevogabilidade homogeneizadora de Cavaco, e contra a irrevogabilidade da austeridade de Passos Coelho. Também percebemos que está irrevogavelmente condicionado pelos dinossauros do PS com Soares à cabeça. Seguro saiu da crise mais seguro do que estava no plano interno, mas ontem ficou a saber que Cavaco vai voltar à carga com os consensos e compromissos e não é líquido que o instinto de sobrevivência que teve desta feita o salve do suicídio político na próxima. Embora tenha afastado no último ano a imagem inicial de tibieza, o país ainda não encara Seguro com a confiança de quem olha para uma alternativa válida. Esse é o drama de Seguro: entre as pressões da Troika, as dramatizações do Governo, os consensos do Presidente, algum condicionamento dentro do PS e as desconfianças de um eleitorado saturado de trapaceiros, é um inseguro irrevogável.


Continuaremos a nossa marcha colectiva nominalmente sob a liderança destes 4 Irrevogáveis. Irrevogavelmente certos das respectivas bondades políticas por entre as florestas de erros crassos que vão cometendo, não surpreende que para muitos Portugueses estejamos condenados a um irrevogável declínio.

2 comentários:

Estella disse...

Caro Doutor Rui Miguel
Terminou bem: irrevogável declínio, porque será esse o interminável caminho que continuaremos a caminhar, carregando às costas a cruz que os nossos verdugos nos impuseram até ao calvário. Mas somos um povo resistente que ainda não sucumbiu, não obstante as vergastadas inflingidas.
O PR ofereceu à coligação a oportunidade de continuar o saque e, com a contagem decrescente de tempo no (des)governo, vai ser um "ver se te avias" no acelera ao confisco, no encher do celeiro dos "mamões" que há muito se empanturram na "mangedoura" do Estado. E nós? Vamos deixar?

Rui Miguel Ribeiro disse...

Cara Estella,

Subscrevo na íntegra o seu comentário até à antepenúltima frase.

Às duas questões finais tenho dificuldade em responder. Porém, embora com vergonha, eu arriscaria dizer que sim, eventualmente e provavelmente vamos deixar.