02 outubro, 2009

"Será que as Pessoas Gostam de Sofrer?"

“SERÁ QUE AS PESSOAS GOSTAM DE SOFRER?”

“Será que as pessoas gostam de sofrer?” Este foi o desabafo espontâneo do meu filho Afonso Duarte (10 anos), ao ver as projecções eleitorais na noite de Domingo. De forma simplista e reflectindo a sua percepção daquilo que o rodeia, não deixa de ser uma compreensível manifestação de estupefacção.

Afinal, sofremos com subidas de impostos, com despesas públicas em projectos faraónicos, com uma crise económica que parece crónica e que é anterior à crise financeira mundial, com o desemprego crescente, com o estado omnipresente, com a educação maltratada, com o espezinhamento dos professores, com a proibição de reprovações, com o aumento do crime e da insegurança, com o bloqueio da justiça, com o controlo da comunicação e a represália contra a crítica. Não obstante, no final pouco importam as motivações dos eleitores: construtiva, de protesto, destrutiva, ou masoquista, são os resultados que relevam.

Valha a verdade que a vitória do PS de Sócrates foi muito pálida comparada com a de 2005: o PS perdeu meio milhão de votos, o seu registo baixou 9% e o grupo parlamentar terá menos 25 deputados. Muito longe, portanto, da “vitória extraordinária” proclamada pelo respectivo Secretário-Geral na noite eleitoral. Ironicamente, o partido vencedor perdeu votos, percentagem e deputados para TODOS os outros 4 partidos!

A segunda ironia das eleições residiu no score eleitoral do PSD, que foi praticamente igual à derrota supostamente catastrófica do PSD de Pedro Santana Lopes em 2005. O PSD cresceu menos de meio por cento, uns residuais 0.4%, que lhe valeram mais 3 deputados, fruto da queda eleitoral do PS! Apesar de estar melhor do que há um ano atrás, o PSD de Manuela Ferreira leite não teve imaginação, nem chama e poucas ideias, embora tivesse razão em várias matérias económicas e sociais. Infelizmente, sucedeu ao PSD o que eu previa por altura das eleições internas e que reafirmei neste blog no início de 2009.

Para quem é de direita, restou a satisfação de ver a (essa sim) extraordinária performance eleitoral do CDS. Paulo Portas seleccionou um conjunto de temas a que o centro-direita é sensível e tocou preocupações com as quais muitos cidadãos empatizam, nas áreas da segurança, segurança social, economia, agricultura e fiscalidade e manteve-se afastado dos fait-divers. Foi a única voz credível do arco democrático fora do centrão. Quem queria uma alternativa não-totalitária ao “bloco central”, sí tinha o CDS. O resultado foi o melhor em 26 anos e o CDS tornou-se no fiel da balança no Parlamento. Bless or curse, adiante se verá.


O tonitruante BE teve uma noite eleitoral agridoce. Doce, a duplicação do número de deputados, a ultrapassagem ao PCP e o final da maioria absoluta socialista. Amarga, a fuga do CDS (+5 deputados) e a impossibilidade de fazer maioria com o PS, o que lhe reduz o poder e a influência.

Finalmente, o PCP. Sobe e desce. Sobe ligeiramente o número de votos e ganha um mandato na AR. Desce no ranking de 3º para 5º e desce no amor-próprio. Mas resiste e aumenta o número de deputados pela terceira eleição consecutiva.

A abstenção subiu para perto dos 40%, mostrando que ao entusiasmo eleitoral dos media não corresponde necessariamente o dos eleitores. Penso que corremos o risco de caminharmos para uma situação em que o período eleitoral se torne num conjunto de rituais que envolvem e excitam a classe política e jornalística e dos quais a população se afasta e desinteressa.

Aproximam-se tempos interessantes, o que, como se sabe, não é necessariamente bom.

O Parlamento vai recuperar parte da influência e prestígio perdidos o que é bom porque é (devia ser) o cerne do sistema democrático.

A estabilidade política vai estar omnipresente no discurso, sendo que o politicamente correcto e o interesseiro a sobre-valorizam, confundindo-a por vezes com paz poder ou com a calma do pântano (this rings a bell…).

A bipolaridade do sistema político-partidário português foi enviada para a surtigas, numa eleição em que os partidos médios saíram globalmente triunfantes. Também isso terá sido bom para um sistema demasiado viciado.

Ah! As Legislativas e as Autárquicas vão ficar separadas outra vez: estas serão em 2013 e aquelas terão lugar em 2011. Até lá!

NOTA: Os resultados e mandatos referidos no post excluem, como é óbvio, os 4 deputados a eleger pelos círculos da emigração.

P.S. Este post foi escrito há dois dias, mas não consegui colocá-lo no Blog. Também aqui alguém terá tentado calar uma voz incómoda!!! loool

5 comentários:

Bruno Rodrigues disse...

Caro Rui,

Uma análise lúcida e serena.
Gostei.

Um abraço.
Bruno Rodrigues

Ricardo Lima disse...

Caro Professor,

O PCP não só "resiste", como vence estas eleições. Ao contrário do Bloco que, pelo menos nas autárquicas, teve a seriedade de admitir uma pesada derrota, o PCP nunca perde. o PCP vence sempre. Seja porque "todos os anos entram milhares de militantes novos", ou seja, vence porque cresce. E cresce no que for, nem que seja nas idades dos quadros dirigentes.

Cumprimentos,

Ricardo Lima

PS: se tiver um tempinho: http://www.politicajovem68.blogspot.com/

anareis disse...

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Anónimo disse...

Ola professor
Como sempre acompanho com interesse a (r)evolução do seu blog quanto ás questões politicas. Na verdade e nao fugindo á lucidez que me habituou, a sua analise politica é perfeita, mas permita-me um acrescento: O PSD perdeu porque não teve a lucidez de ter um candidato diferente. O sentimento geral nas hostes sociais democratas era de resignação e digo-o com algum conhecimento de que o desfecho seria o esperado. Não me parece que o BE e o CDS se aguentem mais do que aquilo que efectivamente valem ou seja abaixo dos 10% já que as questões que apresentaram em campanha tocam minorias e/ou descontentes. Sugeria-lhe se me permite até porque me parece pertinente, uma reflexão sobre a regionalização no país, já que me parece inevitável e a possibilidade de eleições antecipadas dentro de dois anos. DE qualquer das formas somos um país com desiquilibrios enormes e o futuro não é risonho

Anónimo disse...

caro professor

antes de mais peço desculpa ao comentário anónimo que subcrevo na integra, já que fui eu que escrevi (amaro correia). Tenho um problema qualquer de registo e é mais comodo escrever como anónimo. Gostava de lhe lançar um desafio. Fi-lo à Prof. Luisa vasconcelos já que é a minha actual professora em Outubro: Lançar bases de discussão da regionalização na UFP. Seria muito interessante já que vai ser um assunto incontornável...