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21 março, 2019

Tentáculos de Teerão I



TENTÁCULOS DE TEERÃO I

 
Os Tentáculos de Teerão condicionam e constrangem seriamente o Iraque.


Há um ano houve grande agitação devido à saída dos Estados Unidos do Acordo Nuclear com o Irão (cujo nome oficial é Joint Comprehensive Plan of Action - JCPOA). A realidade é que o Acordo deixa bastante a desejar (ver “Irão (Quase) Nuclear” em http://tempos-interessantes.blogspot.com/2015/09/irao-quase-nuclear.html) e reflecte o desespero em consegui-lo por parte dos EUA e do Irão (ver “Os Desesperados” em http://tempos-interessantes.blogspot.com/2013/10/os-desesperados.html) . A diferença está, é claro, que o desespero de Washington se detectava à distância, enquanto que Teerão disfarçava o seu.

Volvido um ano, o Irão continua a constituir um sério problema geopolítico no Médio Oriente. A presença e influência do Irão no Iraque, especialmente após a retirada americana em 2011 e a sua intervenção na Guerra da Síria são sobejamente conhecidas. O escopo e o grau de interferência iraniana na região serão, porventura, menos conhecidos.

A chave do activismo de Teerão reside na Guarda Revolucionária Islâmica, uma espécie de Guarda Pretoriana do regime que responde directamente ao Líder Supremo do Irão, Ayatollah Ali Khamenei, actuando através do seu braço armado externo, a Quds Force.

Países abrangidos pelos tentáculos de Teerão:
Iraque, Síria, Líbano Iémen, Bahrain, Afeganistão e Paquistão.

Obviamente o grau de envolvimento e influência difere muito de país para país, é muito grande nos dois primeiros e pequena nos últimos dois. A tipologia de envolvimento também é diferente: no Bahrain, pequeno país do Golfo Pérsico alinhado com a Arábia Saudita, o Irão tem tentado derrubar o poder instalado (minoria Sunita) em favor da maioria Xiita e fá-lo treinando agentes locais. Na Síria, o objectivo foi/é salvar o regime vigente de Bashar Al Assad num país em guerra generalizada; neste caso, o Irão mobilizou milícias de vários países e colocou as suas próprias unidades militares na frente de combate. No Líbano, o Irão age através do seu mais valioso agente externo, o Hezbollah.

Os grupos que o Irão apoia são numerosos e com poder, capacidades e autonomia diversos. Uma lista resumida para se ter uma ideia da abrangência e proveniência:

Hezbollah (Líbano)
Brigadas Badr, Ketaib Hezbollah, Asaib Ahl al-Haq (Iraque)
Ansar Allah, aka Houthis (Iémen)
Brigada Fatemiyoun (Afeganistão)
Brigada Zaynabiyoun (Paquistão)
Hamas, Palestinian Islamic Jihad (Faixa de Gaza)

 
Mísseis anti-aéreos SA-22 alegadamente fornecidos pelo Irão ao Hezbollah.


O Irão usa estes braços armados como um instrumento de influência nos seus países de origem, para atacar rivais, defender os seus interesses e aliados e para promover os seus objectivos estratégicos. Estes grupos/milícias/partidos actuam primariamente nas áreas política e militar.

O apoio do Irão a estas entidades sub-estaduais é focado essencialmente em quatro áreas: financiamento, treino, logística e fornecimento de equipamento bélico. Contudo, no caso da Síria, como o Irão é aliado do regime, o apoio foi fundamentalmente direccionado para o estado sírio, com uma parte canalizada para milícias pró-Assad.

Vejamos alguns exemplos dos fornecimentos bélicos do Irão para os seus aliados/agentes:

* O Hezbollah recebeu foguetes Katyusha, mísseis balísticos, mísseis anti-tanque, tanques T-72 de fabrico soviético, veículos blindados de transporte de tropas M113 de fabrico norte-americano e drones armados. Consta que terá também armazenado armas químicas.

* O Ansar Allah recebeu mísseis balísticos, foguetes Katyusha, minas marítimas, mísseis anti-aéreos, sistemas de defesa anti-aérea portáteis (MANPADS), radares, drones, barcos explosivos guiados remotamente.

* Brigadas Badr, Kataib Hezbollah, Asaib Ahl al-Haq e muitas outras milícias xiitas iraquianas receberam mísseis balístico de curto alcance, tanques, veículos blindados de transporte de tropas, mísseis anti-tanque, artilharia, drones, MANPADS.

Na Síria o investimento de Teerão foi brutal, envolvendo 3.000 militares da Quds Force, 8.000 do Hezbollah, financiando, treinando e equipando cerca de 100.000 combatentes. de milícias xiitas autóctones e provenientes do Médio Oriente, Afeganistão 10.000/15.000) e Paquistão (2.000).

Em nome da solidariedade Xiita, da necessidade de manter a ponte terrestre para o Líbano e o imperativo de salvar um dos seus poucos aliados estaduais, a Síria de Assad, o Irão terá despendido US$ 16 billion no esforço de guerra na Síria entre 2012 e 2018.

Esta rede tentacular aqui elencada e que Teerão estende pelo Médio Oriente, visa mostrar o grau, o alcance  e a dimensão que a influência e o poder iraniano tem atingido na região, especialmente na última década e que não dá sinais de abrandamento, bem pelo contrário, os Guarda Revolucionários e o Supremo Líder estão empenhados em aumentar e cimentar o poder e influência do Irão no Médio Oriente e mais além.


NOTA: Num próximo post darei conta dos objectivos estratégicos e geopolíticos que o Irão visa alcançar, directamente e através dos seus proxies.

16 maio, 2018

"Worst Deal Ever" Is...Over


“WORST DEAL EVER” IS…OVER

 
Donald Trump anuncia saída dos EUA do Acordo Nuclear com o Irão.

Já está. Os Estados Unidos retiraram-se do Acordo Nuclear com o Irão (Joint Comprehensive Plan of Action - JCPOA). O Acordo, rotulado pelo Presidente Donald Trump como “the worst deal ever”, seems to be…over.

A maior surpresa não é o ter acontecido, mas sim o tempo que demorou a acontecer. Surpreendentemente também, ou talvez não, é o choque sentido por muitos por Donald Trump ter cumprido (goste-se ou não) uma promessa eleitoral.

Em relação ao Acordo e respectivas negociações, Tempos Interessantes tem assumido uma posição crítica desde 2009 (antes), 2013 (durante) e 2015 (após) e mantém-na em 2018 (agora).

No post de 2015, “Irão (Quase) Nuclear” (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2015/09/irao-quase-nuclear.html), aponta-se as principais lacunas e deficiências do JCPOA que, já tinham sido antevistas no post de 2013 “Os Desesperados” (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/10/os-desesperados.html)

Nada no histórico do Irão confere confiança em relação a uma eventual contenção nuclear à medida que as restrições e condicionamentos do JCPOA vão prescrevendo. O argumento de que, com o Acordo e o consequente aumento da interacção internacional, O regime de Teerão amoleceria e ir-se-ia desintegrando era semelhante a uma aposta no casino: pode-se ganhar, mas o mais certo é perder.

A realidade é que o Irão assinou o JCPOA porque a sua economia estava de rastos, mas os seus planos e ambições geopolíticos mantiveram-se, como era expectável. Aliás, com a injecção de liquidez que recebeu, Teerão pôde dar-se ao luxo de incrementar o intervencionismo externo, especialmente na Síria, Iraque, Iémen e Líbano. Os sonhos miríficos de Barack Obama e John Kerry sobre um Irão bonzinho e benfazejo eram um misto de ingenuidade, ignorância e desespero por obter um acordo.

O Irão constitui um problema que vai bem além do programa nuclear. Desde a Revolução de 1979 que a República Islâmica tem prosseguido o objectivo de se guindar a potência hegemónica do Médio Oriente, provocando instabilidade e conflitos no processo.

Por outro lado, o regime nutre um ódio mortal por Israel, independente dos objectivos geopolíticos, mas que agrava as tensões e a probabilidade de sérios conflitos, como já se vai verificando na Síria; a postura anti-israelita serve de pretexto para apoiar organizações terroristas como o Hezbollah, o Hamas e a Palestinian Islamic Jihad (PIJ) e para gerar apoios na população árabe.

Posto isto, o facto de o Irão estar, alegadamente, a cumprir os termos do JCPOA não é o mais relevante, por muito chocante que tal possa parecer. O Irão, na sua presente forma, constitui uma ameaça multidimensional que contribui como ninguém para a crescente volatilidade e conflitualidade no Médio Oriente.

Quanto ao JCPOA, este não resolve a questão nuclear -it just kicks the can down the road- e não só não resolve, como criou as condições que permitiram a Teerão aumentar a sua agressividade e intervencionismo externo. A retirada dos EUA do Acordo poderá acabar com as ambiguidades.

E agora? Esta é a pergunta que os comentadores colocam desesperados. Não há Plano B, acrescentam, ainda mais desesperados.

Bem, agora, há três hipóteses mais óbvias, que não carecem de Plano B:

1- O Acordo prossegue, coxo, com os outros 6 signatários. Contudo, os ganhos iranianos serão muito menores, logo as suas dificuldades internas e externas serão maiores.

2- O Acordo é renegociado, alterado, melhorado e tornado mais abrangente, ou é feito um paralelo para resolver as lacunas do actual.

3- O Acordo rui* e voltamos a 2015. Aí, ou se negoceia a partir do zero, ou os EUA terão de assumir a responsabilidade e os custos de resolver o problema de nova corrida nuclear do Irão.

Nada de catastrófico, portanto. No 1º caso, ficar-se-ia melhor do que agora porque o Irão teria menos meios e mais dificuldades. O 2º cenário seria claramente o melhor. O 3º seria o pior, mas nada que não viria a acontecer com grande probabilidade a médio prazo se se mantivesse o statu quo.


* Não sou eu. Trata-se do presente indicativo do verbo ruir na 3ª pessoa do singular.