GESTÃO DE EXPECTATIVAS
O acordo é interino e incompleto, mas o Irão
nuclear é um fait-accompli.
Os P5+1 (Reino
Unido, Rússia, Estados Unidos, França e China + Alemanha) e o Irão chegaram a
um Framework Agreement sobre o programa nuclear iraniano e as sanções que impendem
sobre o Irão. Não farei aqui uma análise
detalhada, nem sequer um balanço do acordo porque, em bom rigor, ele ainda não
existe.
Porém, há ilações
prévias que podem ser tiradas, sendo que as principais são:
* Os P5+1 fizeram um caminho mais longo desde
o seu ponto de partida do que o Irão para atingir um esboço de entendimento.
* O Irão vê
legitimado o essencial de 30 anos de actividades ilegais e reconhecido o
estatuto de potência quase-nuclear.
Aquilo que foi
alcançado no dia 2 de Abril foi um entendimento sobre vários aspectos
importantes daquilo que será um acordo final, que deverá estar concluído até 30
de Junho. Faltam disposições técnicas, algumas políticas e até a interpretação
comum para alguns dos aspectos do actual esboço, que poderão mudar a percepção
final do documento.
A propósito de
percepções, como se explica que muita gente que estava céptica, ou era
contrária, ou até neutra em relação ao que estava a ser negociado venha agora
mostrar alguma surpresa e até apoio ao que foi divulgado?
Imagine o leitor que
lhe dizem que houve um acidente e um dos seus melhores amigos pereceu. Imagine
agora que, passadas umas horas, lhe comunicam que houve um engano e que ele
está apenas ferido com gravidade, mas
sem risco de vida. O leitor provavelmente rejubilará e sentirá um enorme
alívio. Trata-se de gestão de expectativas (neste caso não é bem porque é
involuntária) e em nenhuma outra circunstância a notícia provocaria alívio e
alegria.
Penso que terá sido
isso, provavelmente somado à pressão exercida pela França, que terá levado ao
actual desenlace. Falava-se que seria permitido ao Irão manter cerca de 10.000
centrifugadores e afinal são apenas
6.000. “Esquecido” foi o facto de que a exigência inicial era de ZERO!
Do mesmo modo, os
EUA sempre classificaram de exagerada e alarmista a estimativa de Israel de que
o Irão estaria a 6/12 meses do breakout nuclear. O acordo interino aponta que o
breakout iraniano seja fixado nos 12 meses em vez dos 1 a 3 meses actuais. Ou
seja, o exagero de ontem de Israel é hoje o triunfo negocial dos EUA. Isto na
realidade já ultrapassa a mera gestão de expectativas e entra no domínio da
fraude.
Contudo, mais
significativo do que a gestão de expectativas que geraram a suposta boa
surpresa, são as diferentes visões e interpretações que emanaram de Washington e
de Teerão sobre o que terá sido exactamente
acordado. Recomenda a prudência que se aguarde pelo Verão para ver e analisar o
que fica efectivamente preto no branco. Sem gestão de expectativas e sem spin….
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