AS QUATRO POTÊNCIAS
DO MÉDIO ORIENTE
A TURQUIA
TURQUIA
A Turquia tem uma posição única no mundo que lhe confere o potencial de
funcionar como uma ponte entre vários mundos. A posição geográfica
bi-continental (Europa e Ásia), é uma autêntica plataforma que confere acesso ao
Sudeste da Europa (Balcãs), ao Mediterrâneo, ao Mar Negro, ao Cáucaso, ao Médio
Oriente e, de forma mais mediata, à Europa, ao Norte de África e à Ásia
Central.
Se à Geografia somarmos a demografia (80 milhões de
habitantes) e a economia (17ª maior do mundo e em franco crescimento) e uma
capacidade militar assinalável, não é difícil perceber que estamos na presença
de um actor internacional de assinalável potencial.
Após décadas de afastamento relativamente ao Médio
Oriente e de rígido enquadramento nos parâmetros da Guerra Fria, enquanto
membro da NATO desde 1952, a Turquia nos últimos anos recentrou a sua política
externa para Leste (Cáucaso e Ásia Central) e para Sul (Médio Oriente e
Mediterrâneo).
Exemplos deste shift,
foram os avanços nos planos cultural e económico feitos para estas regiões e a
tentativa de alcançar uma posição de proeminência política, particularmente no
Médio Oriente. O forte apoio (verbal) conferido aos Palestinianos,
especialmente ao Hamas na Faixa de Gaza, a participação (limitada) na guerra
para derrubar Khadafi na Líbia e a tentativa de mediar o conflito à volta do
programa nuclear iraniano e a aproximação ao Egipto na versão Irmandade Islâmica, são exemplos deste renovado
protagonismo.
No entanto, o caso de mais flagrante protagonismo turco
ocorre actualmente na Síria. Há bastante tempo que Ankara vem exigindo a queda
do regime dos Al Assad e apoiando os rebeldes através da instalação de campos
de refugiados, acolhimento do comando militar e das estruturas políticas
rebeldes e pelo treino e equipamento dos mesmos, para além do apoio político e
diplomático.
A Guerra Civil na Síria marca a entrada da Turquia no
Great Game do Médio Oriente, uma competição feroz entre potências endógenas e
exógenas pelo controle das principais áreas estratégicas regionais, pelo acesso
aos recursos energéticos, pelo controle das rotas marítimas, pela influência
junto dos principais actores e até pela hegemonia regional.
Este combate não se tem revelado fácil e a Turquia tem
encontrado várias dificuldades e, especialmente, duas vulnerabilidades:
1-
O poder fáctico do país tem estado aquém da retórica. Isto é verdade nas ameaças feitas a Israel por causa do bloqueio à Faixa
de Gaza e à intercepção do navio Marmara, como o é em relação à Síria,
nomeadamente quando as defesas anti-aéreas de Damasco abateram um F-4 turco no
espaço aéreo sírio. Como é óbvio, quem fala alto e não é capaz de sustentar as
palavras com actos, perde credibilidade.
2-
A Síria é um país vizinho da Turquia e substancialmente
mais fraco que esta, mesmo assim, as
ameaças, previsões e planos da Turquia para a Síria não se materializam e
já passaram 20 meses de conflito.
3-
A Turquia enfrenta adversários determinados e que não se impressionam com
retórica ou ameaças. Nomeamos 3: o regime sírio, cercado e acossado, age como
se não houvesse amanhã (o que pode ser bem verdade) e portanto pugna pela
sobrevivência; o Irão, cuja luta é mais abrangente, não está disposto a deixar
cair um aliado estratégico sem resistir até ao limite do razoável; a Rússia,
que tem menos em jogo, não está a deixar passar a oportunidade de fazer valer
os seus trunfos na região, o que também seria de esperar depois do fiasco na
Líbia.
4-
Por outro lado, a Turquia tem de enfrentar a sua
História, Concretamente, a memória dos séculos de domínio otomano sobre os
Árabes. O Ministro da Informação da Síria, Omran al-Zubi, colocou o dedo na
ferida quando reagiu à proposta turca de criação de um governo interino para
substituir Al Assad declarando: “Turkey
isn’t the Ottoman Sultanate. The Turkish Foreign Ministry
doesn’t name custodians in Damascus, Mecca, Caito ands Jerusalem.” Demolidor. O fantasma otomano será a melhor arma de arremesso contra os Turcos no mundo
árabe. Isso não será suficiente para salvar o regime Baath na Síria, mas pode
servir para encravar as ambições de Ankara no Médio Oriente.
5-
Last but not least, a Turquia tem 12 milhões de Curdos no seu seio. Curdos esses que estão em rota de colisão permanente com o Governo de
Ankara e que têm um movimento de libertação/terrorista (PKK) que ataca e mata
tropas turcas com grande regularidade. E, embora o problema curdo seja
partilhado por Irão, Síria, Iraque e Turquia, é nestes dois últimos que o
assunto tem maior relevância e impacto. Se no Iraque a questão está resolvida com a autonomia do Curdistão,
na Turquia não está. Nos últimos tempos tem havido sinais de que Damasco e
Teerão estão a retaliar contra Ankara, apoiando e incentivando o PKK e os
Curdos do Norte da Síria. Os Curdos são,
pois um intrincado problema interno que no actual cenário internacional,
constitui uma grande vulnerabilidade.
A sua realidade actual e o seu potencial ainda não realizado, permitem
prever sem grandes riscos que a Turquia será a prazo uma potência importante,
quiçá a mais relevante, do Médio Oriente e até uma média potência à escala
mundial.
No entanto, a sua ascensão não será tão tranquila e consensual quanto a
Turquia desejaria e imaginaria. Os caminhos para o Poder são difíceis e
tortuosos e percorridos por vários actores com ambições semelhantes. A arrogância
e uma falsa presunção de invulnerabilidade podem ter custos elevados.
Finalmente, no Médio Oriente, como noutras regiões do mundo, não basta falar grosso: you have to back your words with deeds.
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