NINE/ELEVEN
O mundo mudou no dia 11 de Setembro de 2001.
De tantas vezes repetida, esta afirmação quase se tornou um cliché. Como nem tudo mudou, importa indagar o que realmente mudou. Eis algumas propostas:
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
As Relações internacionais mudaram. A declaração de “War on Terror” de George W. Bush subverteu as prioridades internacionais. Passou-se da gestão algo indolente do pós-Guerra Fria para o frenesim da(s) guerra(s). E elas multiplicaram-se: Afeganistão, Iraque, Iémen, mas também EUA, Reino Unido, Espanha, Indonésia, Turquia, Arábia Saudita, Paquistão… As alianças também mudaram: a Rússia e a China apoiaram o ataque ao Afeganistão, enquanto que a Alemanha e a França se opuseram à invasão do Iraque.
Sucessivamente, o mundo unipolar atingiu o seu apogeu e começou o declínio. Este gerou o delírio dos “GG”. Ao G7 original, somou-se o G8, depois o G20 e já houve quem divisasse um G2. À revelia dos “GG”, a proliferação de WMD alastrou e a Coreia do Norte tornou-se a 9ª potência nuclear e o Irão aspira a ser a 10ª.
O refluxo das guerras, levou à sublimação da diplomacia, elevada de ferramenta a um fim em si mesma. Assiste-se a negociações que são agregados de monólogos, que prosseguem porque uns participantes não conseguem enfrentar as consequências do falhanço e outros beneficiam do arrastar destes exercícios fúteis.
GUERRA
Também ela mudou. Com a excepção da 1ª fase das Guerras do Afeganistão e do Iraque, os conflitos inter-estaduais deram lugar aos conflitos assimétricos, entre Estados e organizações sub-estaduais. Os carros de combate perderam protagonismo para os Humvees, os drones tornaram-se uma arma de eleição, as forças especiais “roubaram” espaço às grandes unidades de infantaria. Proteger/salvaguardar os inimigos civis tornou-se tão importante como destruir os inimigos armados. Constrói-se, investe-se, desenvolve-se ao mesmo tempo que se mata, bombardeia e destrói. Já não se conquista o país, tenta-se conquistar as boas graças dos habitantes (antigos conquistados). As agências que promovem a reconstrução são o braço civil das forças armadas e os militares são diplomatas cultivadores de boas vontades.
Ah! As guerras (quase) deixaram de ter vencedores e vencidos: “Os EUA não podem vencer os Taliban e estes não conseguem derrotar aqueles!” Já não há victory parades, declarações de guerra nem rendições. Até há guerras que não o são. Para Obama, por exemplo, os bombardeamentos americanos na Líbia não constituem actos de guerra!!!
Não obstante, na guerra original proclamada em 2001, the War on Terror, os avanços são significativos. Os serviços secretos e de inteligência dos principais países desenvolveram armas e competências para descobrir conspirações e meios para capturar ou liquidar os terroristas que não existiam de todo antes do 11 de Setembro. O resultado é o decapitamento quase completo da Al-Qaeda nuclear original, culminando com a morte do próprio Bin Laden.
INSEGURANÇA
Todos ficamos mais inseguros. Os alvos da Al-Qaeda em New York, Londres, ou Bali não eram políticos, militares, polícias, ou edifícios do Estado. Eram lugares públicos (edifícios de escritórios, metropolitanos, discotecas, aviões) e visavam cidadãos comuns na sua rotina diária. To da a gente se tornou um alvo potencial. Não por ser o Senhor X, mas por estar no local Y à hora H.
SEGURANÇA
Esse estado de insegurança motivado pela generalização dos alvos e pelo desconhecimento dos atacantes, conduziu inevitavelmente ao drástico incremento da segurança. Os controlos nos aeroportos tornaram-se intrusivos, os poderes das polícias aumentaram, as câmaras de vigilância tornaram-se omnipresentes, as escutas telefónicas e o controlo da Internet e dos e.mails multiplicaram-se. E, de facto, ficamos mais seguros. Há 6 anos que não acontece um atentado de grande dimensão no Ocidente. E não foi por falta de vontade e de tentativas.
LIBERDADE
O que se ganhou em segurança, ter-se-á perdido em liberdade e direitos. O conflito é antigo (já Hobbes considerava que a segurança acarretava um custo elevado em liberdade. É um trade-off inevitável em tempos de ameaças de elevado risco. O busílis reside no doseamento: calibrar os custos em liberdade com os riscos e os custos da ameaça. Compreende-se e aceita-se melhor câmaras de vigilância em Piccadilly Circus ou Times Square, do que no Largo da Oliveira, ou na Avenida dos Aliados. O risco é generalizado, mas não é repartido uniformemente.
À medida que a memória do Nine/Eleven se vai afastando, todas estas mudanças são interiorizadas e assimiladas e entram na normalidade. A mudança tem um prazo de validade muito curto: ao ser, já era.
O grande triunfo do post-NINE/ELEVEN é mesmo esse: ao contrário do que a Al-Qaeda almejava, life goes on. Os Britânicos mostraram-no de forma exemplar imediatamente a seguir ao atentados de Londres de 2005: adaptando-se aos novos constrangimentos, a vida prossegue. A memória do terror não desaparece, mas fica arrumada num canto…