10 janeiro, 2008

Os Euro-Medrosos

OS EURO-MEDROSOS

Nada que não se soubesse. Os ditos “Senhores da Europa” consumaram o desrespeito, a profunda desconfiança e o desprezo que nutrem pelos respectivos eleitores, e vedaram-lhes (vedaram-nos) a possibilidade de se pronunciarem sobre o Tratado de Lisboa por via referendária.

Parece evidente que o triunvirato Merkel-Brown-Sarkozy impôs uma espécie de lei da rolha continental impeditiva de qualquer atrevimento referendário, só faltando a imposição de uma alteração constitucional à Irlanda para o quadro ficar completo. Quando o Primeiro-Ministro da Eslovénia teve a ideia peregrina de admoestar Portugal acerca de um hipotético referendo, para além de estar a ser cretino, estava a ser o porta-voz das forças do euro-bloqueio.

Continuo a achar que o medo dos eleitores revela instintos anti-democráticos e uma grande arrogância, sintomas graves na política.

Também continuo a achar que a sucessão de fugas em frente que vão sendo feitas na EU ao arrepio dos eleitores, irão acarretar um preço elevado a médio prazo para a própria União. Nessa altura, os 27 iluminados de serviço em 2007 irão ficar muito admirados. Talvez seja tarde demais…
 

in "The Economist”

14 comentários:

Helena Alexandra disse...

concordo com o não referendo.
Iriamos passar semanas a ouvir os politicos a falarem do sim ou do não ao Tratado de Lisboa sem sabermos o seu conteúde.
E o mais grave é que iriamos votar sim ou não sem sabermos o aue estavamos a fazer.

Deixemos que os deputados trabalhem!

freitas pereira disse...

Ao ler o seu “post ”compreendo bem a frustração que muitos Portugueses e Franceses sentem nestes dias pelo facto de o referendo ter sido abandonado pelos governos respectivos de Portugal e da França, em favor do voto parlamentar, para confirmar a assinatura do Tratado de Lisboa. Eu também condeno esta falta de respeito da palavra dada. E é bem claro que só o receio de ver uma vez mais este tratado ou mini-tratado ser rejeitado pelo povo obrigou os dois governos a ceder à facilidade.
Mas desde há algum tempo para cá que procuro compreender porque é que o referendo é um sistema de voto frequentemente utilizado em países como a Suíça com resultados aceitáveis, e que o mesmo não suceda, em França, por exemplo, embora possamos também pensar noutros países como Portugal.
Claro que os governos em questão conhecem em principio o resultado do voto parlamentar a partir do momento em que dispõem de uma maioria confortável. Como é o caso. E que além da disciplina parlamentar esperada, uma Assembleia de Deputados é, em principio, constituída por indivíduos com uma certa experiência política, uma certa cultura e uma certa compreensão dos objectivos do referendo.
Por outro lado, é somente pressupondo a existência nos nossos países , em todos os eleitores, de critérios de apreciação propriamente políticos, por uma espécie de amnésia das condições sociais reais da determinação da selecção, que o voto pode ser considerado como uma consulta dos cidadãos sobre as grandes opiniões do momento.
Na realidade, faltando uma politizaçao igualmente repartida (competência politica+sentimento de uma competência política legitima), o voto é na realidade produzido de maneira diferente.
Sim, porque não se pode pretender que os eleitores fizeram uma “escolha” ou uma “selecção” quando eles estão privados pelo sistema social de reprodução da desigualdade de politizaçao, dos meios de conhecer e de dominar o campo político (os seus problemas, actores, o que está em jogo,etc).
A análise política “democrática” é por conseguinte refutada pela análise sociológica das condições de formação do voto! A imposição de uma problemática política a pessoas, eleitores, muito desigualmente preparados para a dominar suscita realmente respostas produzidas a partir de critérios muito diversos e bastante afastados da lógica política que se lhes imputa geralmente (gosto ou não da pessoa do candidato, escolha do vencedor provável, preferência das posições mais neutras ou estereotipadas...).
Sabendo que o bom senso imputa frequentemente à influência escolar neste domínio aos ensinamentos cívicos recebidos, e que outros dirão antes que a nível escolar igual, a familiaridade com os problemas políticos é tanto maior que a origem social é mais elevada, eu chego à conclusão que a ausência de ensino organizado acentua as desigualdades sociais , neste domínio como noutros.
E que por conseguinte, o referendo é talvez mais democrático e mais representativo do povo que o vota. Mas talvez menos sensível ao que está em jogo realmente e que é nada mais nada menos que o futuro da Europa.Sabendo que estar ou nao estar de acordo com a Europa é um outro problema.
Que pensa o meu Amigo, que sei altamente dotado dos meios de análise de direito político e de afeição à democracia .

Freitas Pereira

Anónimo disse...

Se faltar ao prometido é grave, chamar os portugueses, incompetentes,analfabetos e sem capacidade de avaliaçãoe sentido crítico é bem mais grave.
Por muito respeito que possa ter por alguns dos nosso deputados, o cargo que ocupam não lhes confere nenhuma aura de semi-deus, que os faça entender o aquilo que o povo que os elegeu não é capaz.
Não tenho dúvida que na Assembleia, uma parte razoável dos deputados, não lei senão jornais desportivos - com o devido aos mesmos-, e lá estejam apenas para dizer que sim ao chefe.
Pela parte que me toca não acho que tenha menos capacidade para fazer uma leitura e avaliação do tratado, que qual quer um dos membros da Assembleia.
Elucidar e explicar e educar a populção são obrigações dos nossos governates, mas sinceramente penso que é isso que não interessa, porque um povo informado pode ser demasiado perigoso para os interesses de alguns.

Maria

Anónimo disse...

Gostaria de fazer algumas rectificações ao meu comentário, a pressa é inimiga da perfeição:
Assim, onde está "avaliaçãoe" deve ler-se "avaliação e", onde está "não lei senão" deve ler-se "não lê", em vez de que qual quer " deve ler-se que "qualquer"


Maria

freitas pereira disse...

Cara Maria

Não generalizei o problema da incapacidade de avaliação dos problemas políticos a todos os Portugueses, mas a uma parte só, aquela precisamente a quem não se ensinou, explicou e informou com a devida pedagogia todos os parâmetros em jogo.
Parece-me que estamos de acordo sobre esta lacuna, pois o ultimo parágrafo do seu comentário diz a mesma coisa, mas acrescentando uma duvida talvez ainda mais grave que é aquela de considerar que são os próprios governantes que preferem a ignorância do povo para melhor atingirem os seus fins. E aqui toca-se ao fundamento mesmo da democracia.

Quanto à qualificação que faz de alguns deputados ou a falta de respeito de alguns deputados pelos seus eleitores, na maneira passiva como se interessam ou não aos trabalhos da Assembleia, são actos que os eleitores deviam sancionar no momento oportuno. Mas quantos eleitores são capazes de observar e agir neste sentido ?
Cumprimentos

Anónimo disse...

Parece-me óbvio que o que diz o sr. Freitas Pereira é o mais oposto à democracia.

Basicamente está a defender que só deviam votar os iluminados, os 'cultos', os que tivessem a cabeça feita pelo sistema; em última análise, os que concordam com o aparelho, porque naturalmente os outros são os ignorantes, os que não estudaram e não estão preparados para tomar decisões...

O passo seguinte (lógico) é o autoritarismo; primeiro colegial, depois diviniza-se um dos membros da elite.

Eu acredito que o Povo tem capacidade de avaliar o que mais lhe convém se lhe forem apresentadas as opções de um modo honesto (o que não tem sido, ver por exemplo o último referendo).

Portanto, o problema não é o Povo e a sua 'ignorância', mas sim os 'iluminados', que se julgam senhores da verdade e como tal tentam (e muitas vezes conseguem) impôr as suas 'verdades'. O problema são aqueles que acham que têm de educar o Povo ignorante com as suas doutrinas iluminadas (em geral erradas, comprovadamente erradas).

Quanto aos nossos políticos, a sua incompetência generalizada é evidente e demonstrada pelo fracasso total das suas opções a nível de educação, social, económico, etc.

Os nossos 'iluminados' fracassaram (pior: não reconhecem o fracasso!) em tudo.

Ricardo Mendes Ribeiro

P.S. Ou nos livramos deles, ou estamos fritos; espero que não seja tarde de mais... Já cheira a queimado!

freitas pereira disse...

Eu constato e analiso uma situação. Não a defendo. Claro que , como escrevi, ” faltando uma politizaçao igualmente repartida”, por diversas razoes, como apontei, o sistema não pode ser considerado como sendo autenticamente democrático, na medida em que o eleitor não recebeu , propositadamente ou não, toda a informação necessária que lhe permita ,em nome do bem comum e qualquer que seja a sua posição social e a sua sensibilidade política, de exercer plenamente a sua soberania legitima , através do seu voto, participando assim às decisões que lhe dizem respeito.
Este déficit de politizaçao ou de conhecimento do que está verdadeiramente em jogo, permite precisamente , através do jogo eleitoral, a alguns representantes de aceder a funções de comando, onde demonstram a incompetência, que o Senhor mesmo lamenta, e que custa finalmente caro àqueles que os elegeram.
Mas o pior, é que esta dita incompetência , a corrupção, os abusos de bens sociais, a violação das promessas eleitorais, o esbanjamento de fundos públicos e mesmo as combinas eleitorais e tráficos de influências de alguns, acabam por destruir a democracia.
De facto, o acto democrático, na democracia representativa actual é fugaz : não dura mais que o tempo de depositar um voto na urna. Em seguida, somos transformados em reféns do partido dominante durante 5, 6 ou 7 anos. Esta impotência em relação aos aparelhos políticos durará até às eleições seguintes et partimos para um novo ciclo, na ilusão da alternância democrática.
E a razão pela qual eu considero no meu comentário que a politizaçao dos cidadaos-eleitores é essencial, afim que a sua decisão seja esclarecida o que significa informação e educação.
Como escrevi, "a ausência de ensino organizado acentua as desigualdades sociais , neste domínio como noutros".
14 de Janeiro de 2008 19:38

Anónimo disse...

Compreendo em parte a sua revolta, contudo, gostaria de deixar uma questão: Não estariamos sujeitos a pagar um preço demasiado elevado ao trazer este referendo à população? Apesar de não fazer parte daquelas pessoas que julga que o "povinho" nada sabe e não tem voto na matéria, até porque somente com um povo mais informado seremos mais capazes de efectuar as melhores escolhas, julgo que o governo tem toda a legitimidade para remeter a aprovação deste tratado à assembleia.

Nuno Oliveira

Rui Miguel Ribeiro disse...

Cara Helena Alexandra: Obrigado por visitares o Blog e deixares o teu contributo.
Como decorre do post, não concordo contigo. Aliás, os países que realizam referendos são, frequentemente, os que ficam com maior grau de informação sobre os tratados em apreço, apesar destes serem redigidos pela Nomenklatura europeia de forma a serem intragáveis para os cidadãos.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sr. Freitas Pereira:
Se não o conhecesse, arriscaria dizer que era defensor de uma espécie de democracia censitária do século XIX, mas numa versão século XXI, baseada na educação/formação em vez da propriedade. Como tenho o gosto de o conhecer, não cometo tal injustiça.
Na realidade, nada há a apontar à legitimidade democrática da ratificação parlamentar. O que há a apontar são os referendos prometidos por Governos e partidos que não se vão realizar (Portugal, Reino Unido) e de eleitorados que votaram "Não" em referendos (vide Holanda e França) e vêem 90% do Tratado que rejeitaram ser aprovado pelos seus (?!?)parlamentos.
Este é que é o cerne da questão: Uma metodologia maquiavélica de contornar a vontade dos eleitorados, que devia ser soberana, goste-se ou não dela.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Maria:
Estou basicamente de acordo contigo.
Quanto aos deputados da AR, pela minha experiência, o que posso dizer é que, como em muitos outros sítios, a escala vai do mau ao muito bom.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Ricardo Pedro:
Foi bom ver que um dos meus leitores mais assíduos finalmente escreveu um comment no meu Blog!
Como sabes, subscrevo quase tudo o que escreveste, embora a tua visão seja um pouco catastrofista.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira:
O seu segundo comentário é "to the point". A sua alusão à fugacidade do acto democrático contemporâneo é uma condensação brilhante de muitos dos problemas da democracia ocidental. Muito obrigado por isso.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Nuno:
A questão não está na legimitidade formal que é inatacável. Os problemas são: o gritante incumprimento de promessas eleitorais; a cedência a pressãoes externas por razões "pouco democráticas" e que nada têm a ver copm o nosso país.