C’EST EXCESSIVEMENT
GRAVE
Lançamento do Hwasong-12 IRBM (Intermediate Range Ballistic Missile) com
alcance estimado na ordem de 4500km. Este míssil sobrevoou o Japão nos dois
últimos testes.
in “Missile Threat”
at https://missilethreat.csis.org/missile/hwasong-12/
Nos últimos meses tem havido enorme crispação, agitação
e alarme por causa da Coreia do Norte, país de pequena-média dimensão geográfica,
demográfica e económica, mas com uma capacidade singular para causar reboliço e
colocar as principais potências mundiais em sucessivas consultas, cimeiras e
reuniões.
Este tom alarmista, a roçar a histeria e a obsessão como
vai sendo característico do século XXI é, como já aqui escrevi, um pouco
exagerado. Senão vejamos:
1- Cada vez que a Coreia do Norte testa um míssil, já nem
falo dos testes nucleares (já foram 5), os governos da Coreia do Sul e do Japão
reúnem de emergência, os Estados Unidos debitam mais sanções, a China resmunga
e umas dezenas de países emitem declarações, lamentos e condenações.
Para quê? Só este ano, a Coreia do Norte já testou 12
mísseis balísticos, incluindo ICBM’s e continua a fazê-lo. O bulício que sucede
a cada teste é uma mise en scène
inconsequente. A experiência demonstra a sua futilidade e Pyongyang não faz
mais nem menos testes por causa disso. Tornou-se um ritual: um dispara, os
outros pulam e gritam e a vida continua.
2- Outro ritual vigente é executado por representantes dos
serviços de informações dos EUA, do Japão e da Coreia do Sul, que têm
audiências nos respectivos parlamentos, onde comunicam em tom grave e solene
que a Coreia do Norte levará a cabo novos ensaios de mísseis, ou,
alternativamente, testes nucleares. E os políticos reagem com gravidade, ao
estilo do personagem de “Os Maias” de Eça de Queiroz, o embaixador da Finlândia
em Lisboa, Steinbroken de seu nome, que gostava de exclamar “C’est três grave. C’est excessivement
grave!”, a propósito de tudo e de nada.
Comunicar que a Coreia do Norte irá fazer novos testes
com ar de quem acabou de realizar um sofisticado trabalho de espionagem é o
equivalente a eu, que escrevo este post na esplanada da praia de Mindelo,
declarar solenemente que logo à noite a maré será alta. Outro exercício
inconsequente.
3- Ao contrário do que até o circunspecto Vladimir Putin
declarou, um conflito armado na Península da Coreia não será uma catástrofe à
escala global. Será, sem dúvida, uma catástrofe na Península da Coreia e,
eventualmente, nos arredores, mas não à escala global. Portanto, não vale
começar a aprovisionar os bunkers.
4- Mais importante é que a guerra, sendo um cenário
possível, não é o mais provável. Como também já escrevi em Tempos Interessantes, Kim
Jong Un e a liderança norte-coreana não são uns doidos varridos irracionais. A
sua sobrevivência, a do regime e a do seu status é a sua prioridade e tudo
farão para a garantir. Concomitantemente, só provocarão a guerra numa situação
limite (real ou percepcionada).
Certo é que todas as ameaças, sanções, condenações, protestos e
exercícios militares foram inúteis para provocar a alteração comportamental da
Coreia do Norte. Goste-se ou não, a Coreia do Norte já é uma potência nuclear o
que torna a opção bélica mais complicada e perigosa. Sendo claro que o arsenal nuclear de Pyongyang serve um
propósito defensivo de dissuasão de ataques, ou tentativas de mudança ou
decapitação do regime, o mais realista seria assumir mais este fracasso do
regime de não-proliferação nuclear e ignorar olimpicamente a Coreia do Norte. A actual espiral
sancionatória e belicista est grave. C’est excessivement grave, como diria o
inefável Steinbroken.