26 fevereiro, 2013

Grillo & Monti (Palhaço Pobre e Palhaço Rico)

GRILLO & MONTI
(OU O PALHAÇO POBRE E O PALHAÇO RICO)


Nem toda a gente conhece Beppe Grillo e Mario Monti. Contudo, toda a gente conhecerá a dupla circense do palhaço pobre e do palhaço rico.


Então visualizemos Grillo (o nome ajuda; a profissão também) como palhaço pobre. Inexperiente na política, cabeludo e despenteado, mal vestido, gritante, espalhafatoso e revoltado, de mal com a vida política e a situação de Itália.


E vejamos Monti como o palhaço rico. Abastado, com uma longa carreira ligada à política e à academia, elegante, bem vestido, com uma pose patrícia e arrogância q.b. Olha o palhaço pobre e outros com a petulância de quem os vê como um incómodo para atingir aquilo a que julga ter direito.
Ambos palhaços, cada um à sua maneira.

Resultados provisórios das eleições italianas. Em cima, os resultados do Senado e em baixo os do parlamento. A vermelho a coligação de esquerda de Bersani, a azul a coligação de direita de Berlusconi, a amarelo o M5S de Grillo e a verde o grupo de Monti.
in Corriere della Sera em http://www.corriere.it/


O pobre ruge contra a recessão, a austeridade, a Alemanha, a pobreza galopante, a política tradicional, os interesses instalados.


O rico passeia o seu prestígio internacional (afinal veio recomendado/nomeado por Berlim e Bruxelas), defende a política do seu governo como a ÚNICA possível e ridiculariza os adversários, especialmente Berlusconi.


O pobre Grillo em boa verdade não tem programa. O seu programa é o não-Monti, o não-Berlusconi, o não-Bersani. Acima de tudo, NÃO.


O rico Monti tem o programa que nós conhecemos: Troika, austeridade, Merkel, impostos, cortes de direitos adquiridos, Schauble e, claro está, ele próprio.


Regressando ao circo, de onde em boa verdade não chegamos a sair, o palhaço pobre, a vítima, costuma sair por cima, enquanto o palhaço rico acaba ridicularizado pelo pobre, vítima da sua própria petulância.


E o circo da política em Itália teve o mesmo resultado do outro circo. O partido de Beppe Grillo teve 25% dos votos. O partido de Mario Monti teve 10% dos votos. O palhaço pobre elegeu 109 deputados. O palhaço rico ficou-se pelos 47. O Italiano revoltado elegeu 54 senadores. O candidato da Alemanha e do “Economist” elegeu 19.
 
Resultados definitivos das eleições italianas. A vermelho, os resultados do Senado; a verde, os resultados da câmara baixa.

in “La Stampa” em http://www.lastampa.it

O circo volta à estrada. O palhaço rico foi desmistificado e confirmou-se que não tinha legitimidade democrática. O palhaço pobre ganhou e está na ribalta, prova viva da saturação dos eleitores com the politics as usual. Porém, sem programa e sem estofo, também ele será lançado aos leões no Coliseu. Não creio que Beppe Grillo seja a alternativa ao sistema político-partidário vigente. Certo é, porém, que a legitimidade das políticas e das posturas das elites políticas tradicionais estão cada vez mais em cheque. Mais tarde ou mais cedo, será imposta a mudança.

8 comentários:

Sérgio Lira disse...

Rui, palhaço por palhaço... ao menos o "pobre" - é menos arrogante (até ver). Mas o que mais me horroriza, o que mais me preocupa e o que me parece um verdadeiro despudor e uma aberração total é os italianos não terem perguntado "aos mercados" em quem deveriam votar (ANTES das eleições, bem entendido). Agora "os mercados" acharam que eles votaram mal e zumba de os castigar imediatamente com juros mais altos (e, por arrasto, aos restantes porcos do Sul). Isto, assim, não pode continuar: ou deixa de haver eleições e "os mercados" escolhem os governantes do alto da sua suma sapiência, beneplácito e bondade infinita, ou os eleitores se informam devidamente e em tempo útil em quem devem votar e seguem essa indicação, ou esta coisa da democracia não funciona - não é possível, com gente tão canhestra, tão bronca, tão ignara, que vota TÃO mal... nem merecem a democracia que têm. Ou, como no Asterix na Córsega: "ALGUÉM TEM POR AÍ UMA URNA CHEIA???".

Sérgio Lira disse...

... ou não é este o argumento de alguns iluminados para que não possa haver referendos sobre certas matérias (em poucas palavras: o povo é burro; há certos assuntos que só eles podem decidir correctamente)? haverá matéria mais grave que a governação?...

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sérgio,
Tanta ironia e o dedo carregando sem piedade na ferida.
Basta ver as declarações dos MNE's da Alemanha, França e Espanha no day after, todos eles, desculpa a expressão, "arrotando postas de pesacada" sobre o que a Itália podia e não podia fazer, com um descaramento inenarrável.
Imbecis, nem se dão conta que quanto mais falam, mais o grilo cresce.
Para saber em quem "votar", basta ler o Economist e ouvir os "nossos" comentadores de economia, como seu sermão do "caminho único" para a felicidade.
Cambada de imbecis!!!!!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Ah! Os referendos! Pois, esses são uma MAÇADA para os políticos. ESpecialmente porque os costumam perder vergonhosamente.
Mas não te iludas. Daqui para a frente, referendos só no Reino UNido, Irlanda (porque é obrigatório) e na Suíça. Os outros continuarão amarfanhados e amordaçados. Até um dia.

Defreitas disse...

Dois respeitáveis seniores vivem momentos cruciais dos destinos respectivos : Um , que o levou ao trono de São Pedro, e o outro, à Presidência da Republica Italiana .
Ao primeiro, restam algumas horas ainda na sua função, ao segundo talvez um pouco mais. Mas os dois chegam ao fim extenuados, e se o primeiro abandona o navio em plena tempestade ,antes do fim da viagem prometida, com os passageiros e a tripulação desconsolados , esmagado pela desproporção das suas forças com a Historia, o segundo tem que assumir a sua função até ao fim, perante um Parlamento ingovernável, um sistema político formado de partidos fortes demais para permitirem aos outros de governar e fracos demais para governar sozinhos, enquanto que o primeiro partido lhe é hostil.

Mas a culpa é de quem, senão dele mesmo! Quem autorizou que um medíocre economista, feito à pressa senador vitalício, viesse governar a nação, recomendado pela Goldman Sachs e Madame Merkel , para assistir agora ao fim miserável dum vencido, após uma campanha eleitoral sem tripas? Este Mario Monti, que para se mostrar popular alugava um cãozinho quando vinha à televisão! O robot e o cão !
Mas houve muitos outros vencidos nestas eleições.

Vencido o Bersani e as suas ilusões neo liberais, que se esforçava de esconder.

Vencido o Vendola, o inventor da quadratura do circulo: ala esquerda dum centro esquerda que ocupa o centro liberal. Dores de cabeça!

Vencido o Gianfranco Fini : outrora poderoso, humilhado com 0,4% dos votos. . Sic transit gloria mundi.

Vencedor: O réptil venenoso, que fica com o poder de veto: Berlusconi. A verdadeira direita italiana, que o mostrador de cãezinhos, pai da austeridade na TV, queria substituir!

Vencedor, enfim o Beppe Grillo. O cimento das oposições. O problema é que ainda é cedo para chegar ao coração do Estado, para governar. Mas no dia em que ele for capaz de transformar este movimento numa força dirigente dum pais de 6O milhões de almas, vai ser um caso sério para a Europa, se ela ainda existir. Tudo resta a construir.

Vamos lá ver se ele é capaz, para começar , de dirigir o combate contra os ditadores do spread e da dívida. Este movimento pode vir a ser um ponto de referência entre as forças políticas organizadas com uma projecção política e social extensa .

O sénior do Quirinal não poderá nada contra este movimento que se amplificará, e que fará pagar aos políticos a deliquescência da política.

Freitas Pereira

Estella disse...

Nunca fui apreciadora de circo, na verdadeira acepção da palavra.
Com a entrada na cena política de palhaços (contexto e não noção), confesso que fiquei a detestar (quem me dera que lhes nascesse um pinheiro no ... e desse pinhas todos os anos!
Admito no entanto a minha esperança no futuro, por começar a ver aqui e ali pequenos sinais de inteligência e focos de resistência aos extraterrestres que despudoradamente se "abancaram" da nossa soberania, sugando as entranhas das nossas gentes. É com satisfação que começo a assistir à saída do "coma" de algums dos milhões que há muito estrebucham e agonizam.
Quem sabe um dia destes comece a frequentar o circo e ajude a mudar o elenco...

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Senhor Freitas Pereira,
Comentário genial! Bem escrito, sharp as a sword, com ironia e amargura, mas deixando um tímido toque de esperança no final.
Muito obrigado!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Cara Estella,
Também nunca fui apreciador do circo, mesmo na minha infância. Pela política transformada em circo sinto um profundo desprezo. Asco mesmo.
Espero que os seus sinais de esperança se materializem para bem de todos nós. Infelizmente, temp que seja fogo fátuo...