“SERÁ QUE AS PESSOAS GOSTAM DE
SOFRER?”
“Será que as pessoas gostam de sofrer?” Este foi o desabafo espontâneo do meu filho Afonso Duarte (10 anos), ao ver as projecções eleitorais na noite de Domingo. De forma simplista e reflectindo a sua percepção daquilo que o rodeia, não deixa de ser uma compreensível manifestação de estupefacção.
Afinal, sofremos com subidas de impostos, com despesas públicas em projectos faraónicos, com uma crise económica que parece crónica e que é anterior à crise financeira mundial, com o desemprego crescente, com o estado omnipresente, com a educação maltratada, com o espezinhamento dos professores, com a proibição de reprovações, com o aumento do crime e da insegurança, com o bloqueio da justiça, com o controlo da comunicação e a represália contra a crítica. Não obstante, no final pouco importam as motivações dos eleitores: construtiva, de protesto, destrutiva, ou masoquista, são os resultados que relevam.
Valha a verdade que a vitória do PS de Sócrates foi muito pálida comparada com a de 2005: o PS perdeu meio milhão de votos, o seu registo baixou 9% e o grupo parlamentar terá menos 25 deputados. Muito longe, portanto, da “vitória extraordinária” proclamada pelo respectivo Secretário-Geral na noite eleitoral. Ironicamente, o partido vencedor perdeu votos, percentagem e deputados para TODOS os outros 4 partidos!
A segunda ironia das eleições residiu no score eleitoral do PSD, que foi praticamente igual à derrota supostamente catastrófica do PSD de Pedro Santana Lopes em 2005. O PSD cresceu menos de meio por cento, uns residuais 0.4%, que lhe valeram mais 3 deputados, fruto da queda eleitoral do PS! Apesar de estar melhor do que há um ano atrás, o PSD de Manuela Ferreira leite não teve imaginação, nem chama e poucas ideias, embora tivesse razão em várias matérias económicas e sociais. Infelizmente, sucedeu ao PSD o que eu previa por altura das eleições internas e que reafirmei neste blog no início de 2009.
Para quem é de direita, restou a satisfação de ver a (essa sim) extraordinária performance eleitoral do CDS. Paulo Portas seleccionou um conjunto de temas a que o centro-direita é sensível e tocou preocupações com as quais muitos cidadãos empatizam, nas áreas da segurança, segurança social, economia, agricultura e fiscalidade e manteve-se afastado dos fait-divers. Foi a única voz credível do arco democrático fora do centrão. Quem queria uma alternativa não-totalitária ao “bloco central”, sí tinha o CDS. O resultado foi o melhor em 26 anos e o CDS tornou-se no fiel da balança no Parlamento. Bless or curse, adiante se verá.
O tonitruante BE teve uma noite eleitoral agridoce. Doce, a duplicação do número de deputados, a ultrapassagem ao PCP e o final da maioria absoluta socialista. Amarga, a fuga do CDS (+5 deputados) e a impossibilidade de fazer maioria com o PS, o que lhe reduz o poder e a influência.
Finalmente, o PCP. Sobe e desce. Sobe ligeiramente o número de votos e ganha um mandato na AR. Desce no ranking de 3º para 5º e desce no amor-próprio. Mas resiste e aumenta o número de deputados pela terceira eleição consecutiva.
A abstenção subiu para perto dos 40%, mostrando que ao entusiasmo eleitoral dos media não corresponde necessariamente o dos eleitores. Penso que corremos o risco de caminharmos para uma situação em que o período eleitoral se torne num conjunto de rituais que envolvem e excitam a classe política e jornalística e dos quais a população se afasta e desinteressa.
Aproximam-se tempos interessantes, o que, como se sabe, não é necessariamente bom.
O Parlamento vai recuperar parte da influência e prestígio perdidos o que é bom porque é (devia ser) o cerne do sistema democrático.
A estabilidade política vai estar omnipresente no discurso, sendo que o politicamente correcto e o interesseiro a sobre-valorizam, confundindo-a por vezes com paz poder ou com a calma do pântano (this rings a bell…).
A bipolaridade do sistema político-partidário português foi enviada para a surtigas, numa eleição em que os partidos médios saíram globalmente triunfantes. Também isso terá sido bom para um sistema demasiado viciado.
Ah! As Legislativas e as Autárquicas vão ficar separadas outra vez: estas serão em 2013 e aquelas terão lugar em 2011. Até lá!
NOTA: Os resultados e mandatos referidos no post excluem, como é óbvio, os 4 deputados a eleger pelos círculos da emigração.
P.S. Este post foi escrito há dois dias, mas não consegui colocá-lo no Blog. Também aqui alguém terá tentado calar uma voz incómoda!!! loool