22 abril, 2007

Os Padrinhos e os Afilhados III

PROLIFERAÇÃO NUCLEAR
OS PADRINHOS E OS AFILHADOS III

O PADRINHO.

Esta nova situação de “Padrinhos e Afilhados” na proliferação nuclear tem uma característica significativa diferente das duas anteriormente relatadas. Em primeiro lugar, a Índia já é uma potência nuclear consumada e assumida há quase uma década, já descontando o seu teste atómico isolado realizado em 1974. Em segundo lugar, os Estados Unidos em nada contribuíram, pelo menos directa e deliberadamente, para que a Índia atingisse tal estatuto.
 
Embora não sejam signatários do NPT (Nuclear Non-Proliferation Treaty), a Índia e o Paquistão foram excluídos do comércio e cooperação oficiais ao nível da energia nuclear. Tal não impediu nenhum das duas potências da Ásia do Sul de desenvolver os respectivos programas nucleares e de acumularem dezenas de ogivas nucleares, mas travou o seu crescimento quantitativo e qualitativo.

Eis que, em 2006, os EUA decidem avançar para um acordo bilateral com a Índia (que ainda não está terminado e não está em vigor), que prevê o reconhecimento do status nuclear de New Delhi e permite a cooperação técnica e comercial entre os dois países na indústria nuclear civil.

É sabido que há várias diferenças entre a Índia e a Coreia do Norte e o Irão: é um país democrático, sem historial de proliferação nuclear para terceiros e é um estado organizado e estável que dará mais garantias de um (não) uso responsável de armas de destruição maciça (WMD).

Por outro lado, não é menos verdade que a Índia se tornou uma potência nuclear à revelia das normas internacionais, que desvirtuou apoio nuclear para fins civis fornecido pelo Canadá e que foi o primeiro país a desferir um rude golpe no NPT.

Os EUA, avançam para este acordo com 3 fitos: desenvolver as parcerias comerciais com o gigantesco mercado indiano (1.1 biliões de pessoas); fazer uma aproximação geopolítica com a Índia na expectativa que esta sirva de contraponto à China, tal como esta o fez no anos 70 em relação à URSS; permitir a expansão da produção de energia a partir do nuclear por parte da Índia, reduzindo a prazo a crescente pressão sobre os hidrocarbonetos.

Não obstante todos os considerandos, a realidade é que o “Padrinho” está a facilitar a integração do Afilhado prevaricador sem exigir duras contrapartidas em troca e pondo em cheque todo o edifício de não-proliferação.

Por outro lado, o “Afilhado”, prepara-se para receber um “prémio” por décadas de incumprimento com as normas internacionais sobre o armamento nuclear, por concessões escassas para continuar a desenvolver o seu arsenal nuclear e de ter acabado de testar um míssil com capacidade para carregar uma ogiva nuclear e de alcançar Pequim.

Tudo isto, resulta num incentivo para que países como o Paquistão e o Irão, procurem os respectivos “Padrinhos” e que potências nucleares com a Rússia ou a China possam considerar a possibilidade de acolherem debaixo da sua protecção novos “Afilhados” nucleares.


O AFILHADO.

2 comentários:

freitas pereira disse...

Sr. Rui Miguel Ribeiro

Brilhante e justa, a sua analise merece entretanto alguns retoques , se me permite.

1° - Índia e democracia:
2° - Índia e pacifismo
3° - Índia e o nuclear

1° - A Índia e a Democracia

Sob certos aspectos, a Índia apresenta-se entre a democracia e o apartheid. Quando se viaja entre Bangalore e Poona, por razoes profissionais, como o fiz durante anos, a imagem da Índia em marcha para o século XXI é visível. Porém, quando se viaja nas planícies do Gujarat, Bihar, Uttar Pradesh, Rajasthan ou Madhya Pradesh, a visão é outra. Aqui, é melhor não ser cristão ou dalit, e ainda menos muçulmano!
Quer queiramos ou não, a Índia tem uma infecção interior terrível que é o sistema de castas, e a vida é impossível para as minorias, que sofrem de todas as discriminações possíveis.
Claro que o sistema de castas tem mais de 2000 anos, mas definir o lugar de um indivíduo na sociedade pela sua ascendência é contrario à democracia.
Mais de dois terços dos “impuros” são analfabetos e só 10% dispõem de agua corrente e electricidade!
Não esquecer que no Parlamento só 1/5 dos lugares é reservado aos membros das castas baixas!
Além das injustiças sociais e económicas, a Índia é um pouco como foi a Irlanda do norte e o Ulster: as discriminações religiosas são graves. O VHP (partido ultra-nacionalista) provocou a morte de mais de 200 pessoas há alguns anos, só por causa da construção de uma mesquita.que eles destruíram. Há três ou quatro anos morreram mais de 700 muçulmanos, assassinados pelos Hindus,
Curiosamente, só o Kerala escapa a esta violência, verdadeiro modelo de igualdade social e de acesso à instrução.
Não me recordo exactamente, mas creio que foi neste Estado que foi descoberto, escrito em sanscrito, um documento , dizendo :"Não há diferenças entre os grupos humanos. O mundo inteiro é de origem divina”.
Assim, a Índia, potência regional emergente, que se distingue pela sua relativa estabilidade política e económica, não é a meu ver um bom exemple de Democracia.

2° - Índia e Pacifismo.

A Índia , dita “pacifista”, invadiu Goa, Damão e Diu, sem declaração de guerra (o resultado teria sido o mesmo se a tivesse declarado), apoderou-se dos 2/3 do Caxemira em 1949 e nunca cessou de intervir no Sri Lanka, pelos menos até há poucos anos.
A Índia desde há muito tempo que ela procura o poder na região. Aliando-se a uns e outros, segundo o momento e as conveniências.Comprando Migs 21 aos Soviéticos quando os USA lhe recusavam vender os F-104, que vendiam portanto ao Ayub Khan do Paquistão, numa certa época, cooperando com os USA nas manobras marítimas e militares no estreito de Malaca recentemente. E a sombra da China paira ao largo ! A estratégia dos USA já integrou a possibilidade de um conflito futuro com o grande “partner” comercial de hoje! A Índia é , por essa razão, um aliado eleito.Foi certamente por isso que G.Bush, péssimo representante comercial, acedeu a tudo o que o "cliente" exigiu.

O Senhor tem razão:

O “negocio” nuclear não é dignificante para os USA e é perigoso para o mundo. Se bem que foi o Canada que vendeu a tecnologia inicial à Índia, os USA não queriam deixar escapar o “negocio” do combustível nuclear.
Segundo ultimas noticias e confirmando o que escreveu, o tratado ainda não entrou em vigor. Porque entretanto, a Índia pede de novo que as alíneas retiradas do tratado anterior devido à pressão do novo Congresso Americano, sejam reintegradas. Ora estas alíneas permitiam à Índia de vender ela mesma, mais tarde , a tecnologia fornecida pelos USA, a quem a quisesse comprar, além do direito de fazer mais testes nucleares “ se os vizinhos China e Paquistão os fizerem”!
E também de poder “reprocessar” o combustível nuclear, o que os USA (o Congresso democrata)não queriam.

E tudo isto sem concessão alguma sobre o NPT !
Os Indianos são os melhores negociadores do sul da Ásia !...E um afilhado difícil !

João Pulido disse...

Esta história de WMD's serve apenas os interesses americanos, russos e chineses… e mais alguns “países mercenários” que (também eles) jogam com uns e outros!!!

Quando têm mais a ganhar que não haja WMD's, são contra... quando podem tirar mais dividendos que as haja, são a favor...

A minha proposta, se é que algum humor é permitido, é que se acabe de vez com as WMD's e se faça a "medição de forças" como a Índia e o Paquistão o fazem na fronteira em Caxemira. Sugiro que vejam o vídeo em
http://www.youtube.com/watch?v=cait2kbqryk&mode=related&search=

Pelo menos umas boas rizadas daria…