IRÃO (QUASE) NUCLEAR
Irão nuclear? Apenas uma questão de tempo.
in “THE ECONOMIST”, em www.economist.com
No Dia
da Bastilha do
corrente ano, as potências designadas por P5+1 (os 5 Membros Permanentes do
Conselho de Segurança – Reino Unido, Estados Unidos, Rússia, França e China -
mais a Alemanha) e o Irão, chegaram a um acordo final, designado Joint Comprehensive Plan of Action
(JCPOA) sobre o programa nuclear iraniano. O JCPOA contém, como Tempos
Interessantes prevê desde 2009, inúmeras cedências da parte dos P5+1
que, pela gravidade de que se revestem fazem do Acordo um fiasco, não obstante
os aspectos positivos que também contém.
O
aspecto mais grave do JCPOA é o reconhecimento implícito do estatuto quase-nuclear
(nuclear threshold state) do
Irão. Na
verdade, o Irão mantém a sua estrutura nuclear intacta. Sendo verdade que o
Irão só poderá utilizar 6.000 dos 19.000 centrifugadores que detém, também o é
que em 2025 todos eles poderão entrar em acção e mais uma quantidade ilimitada
de centrifugadores mais modernos e eficazes que garantirão ao Irão um programa
nuclear de escala industrial que o
colocarão, no máximo, a 2/3 meses do breakout nuclear. Para todos os
efeitos, mesmo que cumpra religiosamente o Acordo, dentro de 10 anos, uma
súbita e imparável corrida à bomba nuclear dependerá quase exclusivamente da
vontade do Irão.
Em
suma,
* O Irão
mantém os centrifugadores.
* O Irão
mantém o complexo de Fordow blindado dentro de uma montanha, embora
supostamente não possa fazer enriquecimento de urânio em larga escala.
* O Irão
mantém a capacidade de R&D que lhe permitirá instalar um programa nuclear
modernizado e de grande capacidade a partir de 2025.
* O Irão
receberá no início de 2016 os 100 biliões de Dólares congelkados no
estrangeiro, desaparecendo logo no início da vigência do JPCOA um crucial
elemento de pressão sobre Teerão.
* Dentro
de 5 anos desaparece o embargo de venda de armas ofensivas ao Irão.
* Dentro
de 8 anos desaparece o embargo de transferências de tecnologia de mísseis ao
Irão.
* Não
existe o famoso anytime, anywhere relativamente
às inspecções da International Atomic Energy
Agency (IAEA)
ao Irão. Elas poderão acontecer, caso o Irão as obstrua, num prazo de 24 dias,
que poderão ser suficientes para ocultar/eliminar provas de actividades
ilícitas.
* O P5+1
resignou-se à ausência de uma cabal e clara explicação por parte de Teerão das
chamadas PMD (Possible Military Dimensions) do programa nuclear iraniano.
Um dos
argumentos utilizados pelos defensores do JCPOA acerca destas cedências é que
nenhuma nação soberana aceitaria cláusulas muito penalizantes (destruição de
Fordow, por exemplo), ou muito intrusivas (inspections anytime, anywhere).
Claramente, essas pessoas nunca ouviram falar da Grécia, ou de Portugal. Mas
mesmo sendo verdade na maioria das circunstâncias, tal escamoteia o facto de o Irão se apresentar com estatuto de réu
com longo cadastro. Réu infractor do NPT (Nuclear Non-Proliferation Treaty)
desde o século passado e em violação de múltiplas Resoluções do Conselho de
Segurança da ONU. Durante esse período, o Irão tudo fez para esconder e incrementar
as suas actividades ilegais. Com este cadastro, é óbvio que não é razoável
tratar o Irão neste dossier como se fosse um qualquer Estado merecedor de
presunção de boa-fé.
Então,
porque se chegou a este acordo?
A resposta
sintética já foi dada em Tempos Interessantes 22 meses antes de o JCPOA ter
sido finalizado, em 24 de Outubro de 2013: Obama estava desesperado por este
acordo há 5 anos! Está desesperado porque decidiu que este seria o seu legado
fundamental, “his foreign policy legacy”. Os Iranianos cedo o perceberam e
jogaram com esse factor. Nesse post de 2013, intitulado “Os Desesperados” (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/10/os-desesperados.html),
escrevi:
Barack Obama está
desesperado por negociar com o Irão. Aliás, está nesse estado desde 2009 (ver Get Real Obama)
(…)Obama agarrou a abertura demonstrada por
Teerão com a sofreguidão de um náufrago. Qual adolescente apaixonado,
tentou de imediato marcar um encontro com Rouhani e perante a recusa,
entusiasmou-se pelo facto de o Iraniano lhe ter atendido o telefone. Em poucas
palavras, demonstra ansiedade e urgência.
(…)O resultado
também é previsível. Se houver um acordo, este incluirá a aceitação de grande
parte do desenvolvimento nuclear iraniano executado até à data e que o colocou
a meses do breakout nuclear. A
contrapartida será o levantamento de todas as sanções, com a possível
excepção das que dependem do Congresso norte-americano.
É o desenlace natural quando uma parte está desesperada e age como
se não estivesse e a outra parte, que não tem razões para estar desesperada,
actua com visível desespero.
Como se vê, este trecho resumiu há quase dois anos o que
se passou neste Verão.
Esse desespero também ficou patente nas reacções
destemperadas que Obama teve em relação aos críticos e opositores do Acordo nos
EUA.
Os restantes membros do P5+1 certamente também queriam
travar a caminhada nuclear de Teerão, mas os interesses comerciais que já se
mostram com voracidade, somados à fragilidade negocial dos principais opositores
do programa nuclear, selaram o desfecho
das negociações: um Irão quase nuclear.
Com o JCPOA em vigor, ficamos a saber que dentro de 10 anos, na
melhor das hipóteses, o Médio Oriente viverá sob o espectro de um Irão na posse
de armas nucleares. Será esse o verdadeiro legado de Obama.