NATO: DO ADRIÁTICO
AO MAR
NEGRO
Fechada a cortina sobre mais um Conselho do Atlântico, desta vez realizado em Bucareste e com decisões (e omissões) de grande impacto, impõe-se uma breve análise sobre o alargamento, o não alargamento, o escudo anti-míssil e a ISAF no Afeganistão.
O alargamento à Croácia (esperado e tardio) e à Albânia veio consolidar o flanco sudeste da Aliança e reduzir o campo de instabilidade tradicional daquela região. Do ponto de vista estratégico, alarga a presença da Aliança Atlântica a praticamente toda a costa do Adriático e permite um mais completo controlo das rotas marítimas.
Mais atenção e impacto teve o não alargamento, especialmente à Ucrânia e Geórgia. Considerando que os Estados Bálticos constituem, por razões históricas, geográficas e políticas, uma excepção, este seria o primeiro alargamento ao território da antiga União Soviética.
Tendo em conta que, a Ucrânia era a segunda mais importante República da URSS, tem fortes laços históricos, culturais e até emocionais com a Rússia e que os dois países partilham uma extensa fronteira, abrir o caminho à adesão de Kiev à NATO seria uma humilhação política e um desaire estratégico para Moscovo. Por outro lado, a Geórgia é país da ex-URSS com o pior relacionamento com a Rússia.
O drive dos Estados Unidos para iniciar o caminho da adesão destes dois países foi precipitado e insensato, configurando uma provocação à Rússia e um factor de desnecessária polémica e divisão entre os Aliados.
Na verdade, o que é que a NATO teria a ganhar com a inclusão da Ucrânia e da Geórgia?
a) Irritar e indispor a Rússia (há áreas em que será mais importante fazê-lo);
b) Integrar dois países politicamente instáveis, sendo que na Ucrânia nem sequer há apoio popular maioritário à adesão;
c) Estender a presença da NATO ao Cáucaso, que é uma área de grande instabilidade, quando a capacidade de intervenção útil da NATO já está limitada pelos conflitos no Afeganistão (directamente) e Iraque (indirectamente);
d) Acolher um país (Geórgia) onde há bases e tropas russas e duas regiões que escapam ao controlo político e militar de Tblissi;
e) Portanto, pouco a ganhar e muito a perder.
A adopção do projecto de escudo anti-míssil dos EUA pela NATO foi a melhor e mais importante decisão saída de Bucareste. A NATO reconheceu a evidência de que os mísseis balísticos de médio e longo alcance constituem uma das maiores ameaças presentes e futuras à segurança do Ocidente. Trata-se do Irão, mas não só. A proliferação de mísseis balísticos é um fenómeno menos conhecido, mas muito mais disseminado do que a proliferação nuclear.
Dentro de 10 anos, serão certamente bastantes os países com capacidade para atingir a Europa com este tipo de vectores. Instalar um sistema que, a exemplo do guarda-chuva nuclear americano, proteja todos os membros da NATO será um precioso asset estratégico. Colocar a Rússia perante um facto consumado que já não se restringe aos EUA, Polónia e Rep. Checa, mas a 28 Estados, obrigará Moscovo a participar do sistema ou a ficar a falar sozinha.
Finalmente, o reforço da força da NATO no Afeganistão. Há muito que o comando da ISAF no Afeganistão clama por mais tropas, por menos restrições ao seu uso e por mais equipamento, nomeadamente helicópteros. Desta vez vão ter os reforços. Não os necessários, mas os suficientes para dar um sinal positivo aos Afegãos e aos países que têm dado o corpo ao manifesto. Estados Unidos, Reino Unido, França, Polónia e Roménia são os países que reforçam os respectivos contingentes. Especial destaque merece a inversão da postura francesa relativamente ao decisivo conflito afegão e, também, ao seu provável regresso à estrutura militar da Aliança Atlântica. Nota negativa para a contínua recusa da Alemanha em mudar de forma positiva o seu envolvimento no Afeganistão e, em menor escala, para Portugal, cujo principal contingente vai abandonar o Afeganistão no Verão (apenas parcialmente compensado com o envio de um C-130).
No cômputo geral foi um Conselho Atlântico com um saldo francamente positivo: as propostas mais importantes tiveram acolhimento e a mais negativa ficou para as calendas gregas. A NATO ancorou no Adriático e retraiu-se no Mar Negro; aderiu ao escudo anti-míssil e empunhou a espada com mais força no Afeganistão.